sábado, 12 de outubro de 2013

Líquida Modernidade - Reflexões


“Assim, toda questão se reduz a isto: pode a mente humana dominar o que a mente humana criou? “ (Valéry).

Acabo de ler partes do livro de Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida (2001). Gente, confesso que fiquei meio intrigada com este título. Afinal que relação é essa entre a liquidez e a modernidade? De onde será que o autor tirou a idéia de fluidificar a Modernidade assim como se esta fosse uma matéria física?

Enfim, iniciei a leitura com a mente em transe, cheia de expectativa e curiosidade percorrendo-a, delineando os contornos do meu cérebro, cada um de seus lóbulos, como sangue fluido de vida que percorre nossos corpos, o alimenta e possibilita a vida.

Será que o autor ao escrever o livro sobre liquido e modernidade pensou no nosso sangue? Nas inúmeras células, nutrientes e diversas substâncias que o mesmo transporta, em um trabalho incansável e ininterrupto para manter nossas partes sólidas funcionando, trabalhando juntos e harmonicamente para nos manter vivos. Será que ele pensou neste processo, enxergando nele os atores e contextos sociais ao longo da história?

Ler este livro é como fazer uma verdadeira viagem sociológica ao longo da história. Visitamos a solidez, passamos pela desintegração do sólido, fazemos um tour através da liquidificação social e por fim aportamos na liquidez propriamente dita.O texto é atualíssimo, apesar de ter sido escrito há 12 anos atrás.

Ao passear pelo sólido social, sua raiz, tradição e a posição ocupada pelo tempo nesta sociedade, lembrei-me da história de Charles Darwin, do contexto sólido em que o mesmo viveu. No trabalho de uma vida que resultou no livro “A Origem das Espécies”. Trabalho extraordinário (por não encontrar palavra mais adequada, porque o que Darwin fez foi simplesmente muito mais que extraordinário).

Darwin levou quase 30 anos para publicar seus estudos e descobertas. Por mais que ele soubesse da relevância dos seus estudos, existiam mais coisas em jogo. Quase 30 anos para “vencer” o sólido tradicionalismo de sua época. Trinta anos colocando na balança o individual e o coletivo. Talvez, a frase de autoria do próprio Darwin resuma seu sentimento diante da solidez e da liquidez: “ Não são as espécies mais fortes que sobrevivem nem as mais inteligentes, e sim as mais suscetíveis a mudanças”.

A liquidez não possui forma definida, se molda de acordo as circunstâncias, é fluida, menos densa e temporária. Sendo justamente esta temporalidade que diferencia de forma mais acentuada as sociedades sólidas e líquidas. Ou seja, o passado e o presente. Coletivo e individual.

A facilidade e rapidez com que as mudanças ocorrem na modernidade líquida, a vertiginosa necessidade de mudar, o pragmatismo característico desta sociedade, a tendência a predominância do individual em detrimento do coletivo, a falta de alicerces, a solidão e “ausência” de bases na construção de identidades, a busca incessante por liberdade, são as características marcantes desta liquidez moderna.

E quais as conseqüências e impactos dessas mudanças? Percebemos ao percorrer o prefácio do livro que essas mudanças atingiram primeiramente a economia, e posteriormente mostrou grande impacto nas relações sociais, que foram colocadas em segundo plano, tudo em detrimento da necessidade de auto-afirmação individualizada.

Essa individualização e seu desfecho social podem ser percebidos no crescimento desenfreado das redes sociais, ou sociedades on-line, onde cada vez se conhece superficialmente mais pessoas, porém os laços sociais estão cada vez mais afrouxados.

Ainda que este livro tenha sido escrito há mais de uma década, seu conteúdo está mais atual do que nunca. “Os sólidos que estão para serem lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e cooperação entre as políticas da vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividade humana, de outro” (Bauman)

Talvez seja o momento de repensar os conceitos, e de “re-solidificar” certos valores, antes que a frase de Valéry, colocada no início do prefácio tenha uma resposta. Ou seja, a necessidade de mudanças antes que a mente humana não mais consiga dominar o que a própria mente humana criou.

Ao continuar a leitura, no capítulo 3, o autor discorre sobre o tempo e o espaço. Analisa a comunidade, a idealização de uma cidade dos sonhos, diferente das cidades comuns e os altos custos dessa utopia de Hazeldon, do ponto de vista financeiro e principalmente social. “A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto”.

Acredito que não precisaríamos nem mesmo ir tão longe para vermos essa nova sociedade, já vivemos aqui e agora a sociedade vigiada, com suas fronteiras cada vez mais definidas e bem delineadas. Enfim, vivemos uma sociedade que perpetua o que Bauman definiu como a “ política do medo cotidiano” funcionando como antagonistas do bem viver.

Essa “nova” ordem social vem provocando desajustes em todas as esferas da convivência humana, inclusive causando transtornos psicológicos que provocam devaneios de riscos e perseguições. Tendo em vista a definição de cidade utilizada pelo autor: assentamento humano em que estranhos tem a chance de se encontrar.

Destacando a palavra “chance” que caracteriza oportunidade, percebemos que os danos sociais provocados por essa característica de medo constante até mesmo do invisível tem feito com que as pessoas percam essa chance, dos encontros, do coletivo, da possibilidade de encontros bambúrrios.

Assim, indo em direção oposta a sua definição, as cidades tem se tornado cada dia mais um grande aglomerado de desconhecidos, de estranhos, e esse distanciamento torna-se cada dia mais profundo. Vivemos a sociedade dos amigos virtuais, da segurança insegura das relações anônimas.

Perpetuam-se os templos do consumo, e cresce vertiginosamente os adeptos, que “levam com elas companhias de que queiram gozar (ou toleram), como os caracóis levam suas casas nas costas”.

Gente, isso me faz lembrar do “novo Carnaval de Salvador”, com os camarotes distanciando e transformando a cultura popular, de forma silenciosa, discreta, mas não menos perigosa no que tange as relações humanas. “O que quer que possa acontecer dentro do templo do consumo tem pouca ou nenhuma relação com o ritmo e teor da vida diária que flui fora dos portões”.

Quando Bauman afirma que a principal característica da civilidade é a capacidade de interagir com estranhos sem utilizar essa estranheza contra eles e sem pressioná-los a abandoná-la ou renunciar a alguns dos traços que os fazem estranhos, é como ver em um espelho a nossa civilidade não civilizada. Desaprendemos ao longo dos tempos a perceber a magia dos encontros, passamos a ser uma sociedade narcisista, queremos ver nos outros nossos próprios reflexos.

Aprender a conviver com as diferenças é uma tarefa que não se aprende sozinho, é preciso interação, exercício da prática. Logo isso me leva a pensar aonde estamos indo? Para onde caminhamos? Onde chegaremos?

Vivemos uma sociedade patológica, como o autor destaca, a patologia do espaço público (esvaziamento e a decadência da arte do diálogo e da negociação, e a substituição do engajamento e mútuo comprometimento pelas técnicas do desvio e evasão). Mantemos distância dos estranhos, e terminamos por nos tornamos esse estranho.

A modernidade redefiniu o tempo e o espaço. Tornou-os pragmáticos. A sociedade da tecnologia, a supervalorização do tempo em detrimento do espaço, e o individual frente ao coletivo. Passamos de uma sociedade pesada para uma sociedade leve, leve em tempo, porém sem espaço para as relações humanas.  

"Conheçam todas as teorias, dominem todas as ciências, mas ao tocar uma alma humana, sejamos apenas outra alma humana" Carl Jung.

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